Insetos noturnos

Já há algum tempo pensava muito a respeito de propósito. Apesar de não ter encontrado o seu até aquele momento, era como se não pudesse mais viver sem ele. Nada mais fazia muito sentido: o emprego, o apartamento, os móveis que comprou com tanto esforço, a vida… mas acreditava que quando descobrisse o seu, tudo voltaria a fazer sentido.

Mas, embora não fosse algo que quisesse aceitar, sabia que propósito não é algo ofertado em uma bandeja. Ninguém acorda em um dia lindo e pensa: “nossa, esse é o meu propósito”. Seria mais fácil ganhar na loteria a acordar dessa forma. Em suma, propósito é processo e não uma dádiva romantizada como muitas pessoas costumam pregar. Se destino é a soma das decisões que tomamos na vida e das escolhas que fazemos no decorrer dela, encontrar nosso verdadeiro propósito também depende de decisões.

Davi precisava sair da zona de conforto e fazer escolhas difíceis. E isso poderia o doer, pois nem sempre as decisões corretas eram as que ele gostaria de tomar, mas quase sempre eram as mais necessárias. Para encontrar e viver o seu propósito seria necessário a ele abdicar do velho para viver o que ainda não conhecia. O novo o causava medo, mas tartaruga não desbrava continentes se tem medo do mar. Grandes conquistas requerem coragem e disposição em cada bater da nadadeira, a cada passo…

Imaginativo, pensou que poderia ser como uma borboleta, que nasce lagarta e se transforma, ganhando asas ao passar pela metamorfose. Mas, para se tornar borboleta, a lagarta precisava abrir mão de tudo o que ela era e estava acostumada a fazer. Ela construía o seu casulo, se fechava dentro dele e, durante um tempo, se recolheria sozinha. Saber exatamente que o seu propósito era voar a fazia passar por essa transformação.

Por mais que fosse poética a sua analogia, achava um tanto quanto soberba se comparar à metamorfose das lagartas, que abrem mão de tudo o que são para ganhar asas e se entregar ao desconhecido. Ele, estaria disposto a realmente descobrir o seu propósito e abrir mão de algumas coisas para vivê-lo? Estaria disposto a passar pela metamorfose e reaprender a viver, arcando com os ônus e bônus que teria?

Então Davi se comparou aos insetos noturnos que começavam a voar perto da lâmpada da sala. Eles nasciam, viviam e morriam com o propósito de ser guiados pela luz da lua, mas muitas vezes eram enganados pelas luzes artificiais que iluminam as ruas da cidade e a sala de seu apartamento. Como em uma ciranda do caos, perdidos, eles voavam em círculos e, às vezes, iam de encontro à lâmpada. Era possível ouvir o barulho. O mais triste daquilo tudo é que, quando se perdiam e não conseguiam mais encontrar o caminho, morriam exaustos ou queimados pelas luzes artificiais. Desviar do propósito que tinham os fazia sucumbir pelas ruas da cidade e no chão da sala de seu apartamento.

Além de cansado, na vida ele também andava em círculos. Aquela era uma analogia perfeita. Exceto por um pequeno detalhe que o diferenciava dos insetos: por mais que se perdessem, traídos pelas luzes artificiais, eles sabiam o seu propósito. Davi não.

Depois da metáfora mais próxima de sua realidade, começou a pensar sobre o que poderia representar aquelas luzes artificiais que o impedia de encontrar seu caminho. O medo, o comodismo, a sua rotina?

_ As pessoas! _ Exclama como quem descobre o maior segredo do universo.

Falsas promessas, inveja camuflada em sorrisos, metas e expectativas que elas faziam para si e, por serem incapazes de cumprir, projetavam-nas nele.

As pessoas, como gigantes juízes de sua própria vida, o diziam muitas coisas: ter uma carreira aos 30 anos, um carro aos 25, casa própria aos 35. Elas diziam muitas coisas… Ele sabia que não poderia se acomodar, mas também não queria viver preso a uma realidade que exigia cada vez mais bens materiais e menos essência, menos propósito.

Pessoas ruins o fizeram duvidar de si várias vezes. Não apenas nos relacionamentos amorosos, mas também no âmbito familiar, no trabalho, nas amizades. Romantizar este tipo de relação era como decidir ser refém delas e cativo do que as pessoas achavam melhor para ele, o impedindo de viver o que realmente precisava.

Muitas vezes isso o fazia se questionar o seu valor. “Mas se até os insetos noturnos, quase insignificantes devido à sua curta vida, têm um propósito, imagina eu que fui criado por Deus, dono do ouro e da prata, maior que todas as coisas da terra. Maior até mesmo que a imensidão do universo.” Pensando isso, ele afirmava que tinha um propósito, só não sabia qual.

O que aquele rapaz ainda não conseguia enxergar é que havia muita grandeza nele. Todos os dias ele desempenhava um papel importante na vida de pessoas e, de alguma forma, influenciava a vida delas. Inúmeras vezes, alguns minutos que investiu em uma escuta ou uma simples gentileza foram o suficiente para mudar o percurso e os sentimentos de pessoas que precisavam de atenção. Mesmo sem saber, já havia salvado o dia e até mesmo a vida de muita gente.

Ainda pensando sobre como as pessoas influenciavam sua caminhada, faz uma nova reflexão, mais sensata e assertiva. Não eram as pessoas que o afastava de descobrir e viver o seu propósito, mas sim a importância que ele dava ao que ouvia delas. Então o que o impedia eram as suas próprias atitudes, não as das pessoas que tentavam manipulá-lo. Era preciso saber a hora de abandonar essas pessoas e o seu comodismo.

A zona de conforto muitas vezes é como um ninho, onde as pessoas recebem o básico a acreditam ser o suficiente para toda a vida. Porém, é a dor de abandonar o ninho que dá movimento às asas de um passarinho, o fazendo voar rumo à liberdade. Crescer é sobre abrir mão do velho e ir em direção ao novo. É acreditar, buscar e viver o propósito. Isso era exatamente o que ele queria.

Por mais que não percebesse de imediato, quando decidiu começar a mudar as próprias atitudes, sem esperar que o mundo mudasse para ele, havia feito a primeira escolha que o aproximaria de seu verdadeiro propósito. Encontrá-lo era uma questão de tempo e vivê-lo seria como abrir as asas e ir em direção a uma vida que realmente valesse a pena viver, diferente da que vivia.

Lembrou-se de uma história que a mãe contava em que um jovem rapaz, para defender o seu povo, enfrentou um gigante com um estilingue e duas pedrinhas. O medo não o impediu de ser campeão e, assim, descobrir que aquele era o seu propósito. Davi queria ser como ele. Lá fora, um relâmpago e um trovão. Dentro de casa, a luz acaba. Os insetos que voavam em volta da lâmpada saem pela janela e voam em direção a um pequeno brilho que conseguia romper a escuridão e aparecer como uma esperança naquele céu carregado de nuvens: era a lua.

Guilherme Givisiez

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