Xícaras de café

Desembarcou do ônibus atrás de uma senhora. Na condução ficou apenas um passageiro bem arrumado. Andou alguns passos em direção a um prédio. Tocou o interfone, se identificou na portaria e, depois de alguns minutos, o porteiro abriu o portão com um sorriso.

Entrou no elevador e subiu até o sexto andar. Ao chegar, a porta do apartamento já estava entreaberta.

A visita entrou, sorriu e disse:

_ Do corredor eu já senti o cheiro do café.

_ Acabei de coá-lo. _ Respondeu o dono do apartamento.

A mesa estava posta: leite, pães, geleias e frutas em abundância. A visita assentou-se enquanto o dono do apartamento buscava o café. Ao voltar, tinha um bule na mão direita e um coração na esquerda. Perguntou à visita:

_ Você quer uma xícara de café ou o meu amor?

_ O café foi preparado com coador de pano? _ Perguntou a visita, observando o bule.

_ Sim. _ Respondeu o dono do apartamento.

_ Dois dedos, por favor! _ Pediu a visita.

Depois de algumas conversas, o dono do apartamento colocou o seu coração sobre a mesa. Pegou a jarra de leite e, sorrindo, perguntou:

_ Você aceita leite?

A visita respondeu, sem olhar em seus olhos:

_ Você está me pressionando demais. Você não sabe se eu gosto do meu café puro ou se tenho alergia à lactose. Eu só aceitei uma xícara de café.

Com um olhar de frustração, o dono do apartamento responde:

_ Perdão, eu só ofereci um pouco de leite. Não estou oferecendo mais o meu amor. Não estou te pressionando, nem tentando te prender à minha mesa. Você é livre e, quando somos livres, andar de mãos dadas não é uma prisão, é uma escolha. Faça como quiser com o seu café, eu me viro com o meu coração.

_ Não se desculpe. _ Respondeu a visita, que completou: _ O problema não está em você, está em mim. Gosto de me assentar sobre novas cadeiras, admirar variadas estampas de forros de mesa, gosto de xícaras de cores e tamanhos diferentes. As maiores são as que mais me apetecem.

_ Eu te entendo e fico feliz ao ouvir isso. Torna as coisas mais fáceis. _ Desabafou o dono do apartamento, que continuou: _ Eu não quero passar o resto da minha vida coando café para uma pessoa que acha o tamanho e o formato de uma xícara mais importante que o conteúdo dela. A sua sede por diferentes cafés é, na verdade, um medo de enjoar rápido demais do café de alguém. Mas um dia você vai se assentar sobre a cadeira adequada, com a mesa e o forro apropriados e com a xícara certa. Quando isso acontecer, será o café mais amargo que você provará e vai ser nele que você vai viciar.

_ Acho que isso nunca acontecerá, e, se acontecer um dia, não será com você. O seu é doce. Nunca te pedi mais que uma xícara de café. Guarde o seu amor e entregue-o a quem queira encher o coração, pois eu só quero encher a minha xícara. _ Enfatizou a visita.

O dono do apartamento pegou o coração e o guardou no bolso. Embora quisesse ser forte naquele momento e não dividir mais a sua mesa com a visita, permitiu que ela continuasse assentada em sua cadeira. Enquanto a visita degustava café, o dono do apartamento se esbaldava no leite. Finalizaram e depois de algum tempo calados, a visita interrompe o silêncio:

_ Agora tenho que partir. Há mais mesas de café arrumadas à minha espera. Há mais xícaras diferentes para eu conhecer. Caso eu passe por aqui e sinta o cheiro de café, venho para tomar mais uma xícara.

_ Você não sentirá o cheiro do café, pois eu não tomo. Só coei este por você. Caso você sinta o cheiro do grão saindo pelas minhas portas e janelas, acredite, haverá outra pessoa assentada sobre essa cadeira. Espero que, em uma das suas visitas, você encontre a xícara certa e que o café seja do seu agrado, já que o meu estava doce demais para as suas perspectivas amargas. _ Respondeu o dono do apartamento.

_ Acho que isso foi um adeus, né?! _ Questionou a visita em tom de aceitação.

O dono do apartamento não respondeu. A visita se levantou e foi em direção à porta. Na saída, o som de um trovão faz o dono da casa falar de foma doce e cuidadosa:

_ Leve o meu guarda-chuva, acho que vai chover.

A visita pegou o guarda-chuva, deu um beijo no rosto do dono do apartamento e fechou a porta. Já no térreo, saindo pela portaria do prédio, gotas de chuva começam a cair. Ela abre o guarda-chuva e vai embora. Dentro do apartamento, além do cheiro de café, pairava no ar a esperança de que um dia a visita voltasse para devolvê-lo.

Guilherme Givisiez

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