Sísifo

Depois de formar na faculdade de administração, Emanuel conseguiu um estágio em uma multinacional e foi contratado por ela. Há mais de 13 anos trabalhando lá, seu salário era superior ao da maioria das pessoas que tinham formado com ele. Em relação aos benefícios financeiros da empresa não tinha do que reclamar, porém já não aguentava mais se sujeitar àquele ambiente todos os dias. Tudo lá havia se tornado hostil demais.

Afastou-se de quase tudo o que amava, pois sua desmotivação havia ultrapassado as paredes da empresa e começou a afetá-lo em todos os âmbitos. Sua vida tinha se tornado uma dízima periódica, onde tudo se repetia todos os dias, infinitamente. Sempre um sofrimento.

Comparando-o a Sísifo, utilizando o presente como tempo, pois os deuses castigaram Sísifo à eternidade, há poucas diferenças. Sísifo sente-se aliviado quando vê a pedra de mármore, fruto de um árduo trabalho, descendo a montanha. É um momento de paz e sofrimento, por sentir alívio, mas saber que terá que carregá-la novamente até o cume.

Os deuses antigos teriam poder sobre toda a sociedade? Essa pergunta nasceu devido ao fato de que, em cinco dias úteis, Emanuel carrega a sua pedra em um esmagador ambiente de trabalho, repleto de deuses focados em exigir cada vez mais, o obrigando a ser cada vez mais mecânico, competitivo e infeliz.

A pedra rola no último dia útil da semana, quando o ponto registra 18h. Sempre esperava ansioso pelo final de semana, mas aproveita-o com o pesar de que a segunda-feira chegará num piscar de olhos. Mas há algum tempo, embora no calendário existam sete dias diferentes em uma semana, para Emanuel, devido à exaustão mental, todo dia é segunda-feira.

Seus dias pareciam um sonho ruim, uma realidade ofuscada por uma fumaça de caos. Tudo longe demais. Por mais que seu corpo precisasse estar no trabalho, pelo salário e pelos benefícios, seu cérebro achava o ambiente inóspito demais e tentava fugir dali. Embora tudo parecesse longe, o teclado, o mouse, o monitor e suas esperanças, as paredes chegavam cada vez mais perto, como se fossem o esmagar.

Já não conseguia mais render como antes e, além de ser cobrado, se cobrava demais. Sentia-se um completo inútil. Funções que antes fazia com 15min, agora demoravam horas. Às vezes até dias. Já estava frustrado e desesperado. Aquela seria uma realidade em qualquer emprego que tivesse ou era exclusiva daquele ambiente? Se pedisse conta, conseguiria outro emprego com os mesmos benefícios? Suas dúvidas pairavam no ar, principalmente quando se deitava para tentar dormir e seus pensamentos acelerados o causava insônia. 

Além do remédio que o psiquiatra receitou, fazer exercícios físicos e descobrir coisas que amava também eram recomendações médicas. Pensando nas dicas do doutor, resolveu dirigir naquela noite. Era algo que gostava, mas fazia de forma tão automática que já não o proporcionava prazer. Pegou a chave do automóvel e, antes que saísse da garagem, viu uma moça jogando vários sacos de lixo na lixeira que ficava próxima à vaga de seu carro. Emanuel se sentia pior que eles.

Enquanto dirigia, tentando enxergar o mundo ao seu redor com um olhar mais atento, acreditou que poderiam surgir novos sonhos, aspirações e novos caminhos para a sua vida. Pensando no que faria dali em diante, parado num semáforo vermelho, olhou para frente e admirou-se com o tamanho de um prédio em construção. Naquele momento, vendo a imponência daquele e tendo à disposição diversos outros edifícios refletidos no retrovisor, desejou ser arquiteto. Assim, poderia imaginar formas geométricas e desenhar construções monumentais. O seu talento estaria presente em vários cantos da cidade, possibilitando às pessoas observar e admirar seus grandes feitos. Seu nome seria lembrado e suas formas se tornariam referência, revolucionando a arquitetura de sua época. Mas, por mais que fosse bom nos cálculos, sabotou a ideia por não ter vocação para o desenho

O semáforo ficou verde e ele seguiu. Passou em frente a uma escola e pensou na possibilidade de criar uma tese de mestrado para poder utilizar o seu conhecimento para ensinar outras pessoas. Poderia formar os melhores jornalistas, administradores, advogados. Seria lembrado pelos estudantes que instruiu e teria a gratidão de cada um. Sua tese poderia ganhar destaque internacional e o seu nome seria eternizado por seus conhecimentos. Mas, embora soubesse muito para si, não por egoísmo, tinha dificuldade em ensinar.

Mais à frente, um outdoor de uma marca famosa o fez querer ser fotógrafo. Seria maravilhoso poder eternizar paisagens, momentos e pessoas. Suas fotos estampariam as revistas renomadas de turismo, estariam disponíveis nas campanhas das melhores marcas de roupas e eternizariam o seu nome, que estaria presente em famosos editoriais com artistas consagrados. Mas seu olhar fotográfico nunca foi dos melhores e a sua habilidade com os programas de edição era pior ainda.

Depois de desanuviar um pouco, resolveu voltar para casa. No caminho, duas ambulâncias passam a toda velocidade. Pensou no quão bom seria migrar para a área da saúde e poder ajudar a curar pessoas. A cada vida que salvasse, seu trabalho seria lembrado e reconhecido pelo paciente e por seus familiares, fazendo dele um herói. Mas, embora essa ideia parecesse maravilhosa, ele tinha pavor de sangue.

Chegou no prédio, subiu pelo elevador e entrou no apartamento. A sua frustração entrou logo atrás. Ainda pensando sobre como era infeliz no trabalho que o sustentava, colocou os uniformes na máquina de lavar e os deixou lá. No outro dia iria pendurá-los no varal. Segunda-feira pela manhã precisava deles limpos para ir ao trabalho e empurrar novamente a sua pedra até o cume.

Guilherme Givisiez

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