Aquele era um dia incrível. Talvez o melhor da vida de Vicente. Não havia acontecido nada de grandioso, mas o dia estava tão lindo e a vida era tão boa que outro motivo qualquer seria trivial perto disso. Subiu as escadas do metrô com suas roupas novas: camiseta, bermuda, cueca, tênis, meias e até o perfume. Um dia antes havia gastado todo o dinheiro que possuía para renovar o guarda-roupas. Nada era mais urgente que aquilo.
Andou como quem faz das ruas uma passarela. Se exibiu nas faixas de pedestres, na estação de metrô, por onde passava. Ninguém era melhor e mais bonito que ele. Se o mundo tivesse um dono, naquele dia esse dono seria Vicente. Quase flutuando de tanta felicidade, dá sinal e entra num ônibus.
Assentado sobre uma das poltronas, esperava ansioso que alguém se assentasse ao seu lado. O perfume novo, amadeirado, poderia ser um convite para alguém se aproximar. Tinha esperanças de que fosse uma pessoa especial. Trocariam elogios, redes sociais e os números de telefone.
Com o coração cheio de esperanças e disposto a se entregar por inteiro, esperava que o amor de sua vida o parasse em algum lugar para perguntar as horas. Ele já havia ensaiado como responder. Depois de sorrisos mútuos, começariam a falar sobre um assunto qualquer – o clima talvez – e a partir dali ficariam juntos para sempre. No metrô, no ônibus, na rua… qualquer lugar poderia ser o cenário perfeito para o início de uma linda história de amor. Mas a sua não começaria ali dentro. As duas últimas pessoas que estavam na condução desceram dois pontos antes que ele também desse sinal para desembarcar. Precisaria continuar a sua busca em outros lugares.
Minutos depois, quando chegou em sua casa completamente desarrumada, não tinha ressentimentos por ainda não ter encontrado o amor, pois teria todos os outros dias de sua vida feliz para procurá-lo. Respondeu todas as mensagens antigas que os poucos amigos mandaram e há semanas se acumulavam. Enviava áudios e textos, sempre com efusividade e alegria. Depois de respondidas as mensagens, regou suas plantas, quase todas mortas por falta de água. Inclusive seus girassóis. Colocou uma música agitada e resolveu arrumar a casa. Enquanto dançava e cantava, faxinou.
Embalagens de delivery com restos de comida pelo chão da sala. Morangos mofados sobre a mesa da cozinha, com vários insetos voando sobre eles. Um pé de seu sapato vermelho à vista, o outro nem sabia onde estava. Roupas sujas misturadas às limpas pelo chão do quarto. Apenas as novas estavam penduradas em cabides. O cenário era caótico, mas a disposição em organizá-lo bem maior que toda aquela bagunça.
Depois de tudo arrumado, viu que precisava de panos de prato novos, um espelho redondo para a sala, lençóis para a cama, uma câmera fotográfica profissional e livros para a estante que, agora, parecia vazia. Contos, romances, autoajudas e a biografia da cantora que gostava. A capa laranja o chamou a atenção. Adquirir livros novos era mania, lê-los nem tanto. Colocou tudo no carrinho de compras online e, assentado no sofá, pagou aqueles produtos tão imprescindíveis com o limite do cartão de crédito. Embora ainda não tivessem passado 5min após a confirmação da compra, a ansiedade para receber tudo já começava a incomodá-lo.
Uma notificação chega em seu celular. Era um dos amigos que ele tinha respondido mais cedo o convidando para sair. Óbvio era a única resposta possível. A vida é uma só e Vicente estava disposto a vivê-la intensamente naquela noite. Antes de começar a se arrumar, ainda fez uma lista com as coisas que iniciaria a partir do outro dia: academia, dieta, ler um livro por semana, adotar um cachorro… e muitos outros planos.
Foi para a cozinha, tirou uma lista antiga que já estava pendurada na porta da geladeira. A amassou e jogou no lixo. Pregou no lugar, com um imã no formato de melancia, o mesmo que segurava a lista anterior, a nova. Entrou no quarto para escolher qual das roupas novas usaria. Antes de abrir o guarda-roupas, que nunca esteve tão cheio, vê o quadro pendurado na parede e contempla o quão linda era a arte de Van Gogh. Arruma-se e, antes de sair de casa, se olha no espelho. Era o homem mais bonito do mundo. Exclama, com um olhar de profunda admiração:
_ lindo!
Manda um beijo para o seu reflexo no espelho da porta do guarda-roupas, pega a carteira e sai para aquela que prometia ser a noite mais linda da sua vida, como A noite estrelada, pendurada na parede do quarto.
Era bom mesmo que aproveitasse seu dia e a sua noite de forma intensa. Embora não se lembrasse, era certo que em algumas semanas ou dias tudo aquilo perderia o sentido. Perderia as esperanças de encontrar um amor; veria as poucas plantas que resistiram à falta de água morrerem, sem ter disposição para regá-las; a câmera profissional servir apenas para acumular poeira; os panos de prato serem esquecidos em uma gaveta; seus livros nunca serem abertos; as etiquetas ainda em suas roupas já nem tão novas, por não querer sair para usá-las; seus poucos amigos se distanciarem; a situação financeira desestabilizar; a casa se transformar em um completo caos e o seu reflexo, pelo espelho redondo que chegaria, revelar um fracassado. Assim, A noite estrelada daria lugar ao Homem velho com a cabeça em suas mãos (No portão da eternidade).
Em sua realidade, os melhores e piores dias não era uma questão de “se voltariam” era, na verdade, uma questão de “quando voltariam”. Pela incerteza em relação a como estaria no outro dia, tinha pressa para ser feliz naquele. Volúvel, Vicente vivia a melhor fase da sua vida, mas, como sempre acontecia, no outro dia poderia viver a pior.
Guilherme Givisiez