A rua nem estava tão movimentada para um distraído esbarrar nele. Mas pelo menos aquele o pediu desculpas. Não tinha como julgá-lo também, as pessoas, inclusive ele, já estavam tão acostumadas a viver no modo automático que acidentes assim estavam cada vez mais comuns. Incomum era alguém se desculpar.
Anda em direção à estação de metrô, desce as escadas e chega na plataforma. Lá, pega o celular e os fones de ouvido no bolso para escolher a trilha sonora que o acompanharia até chegar ao trabalho.
Ao lado dele, duas adolescentes com uniforme escolar e mochila nas costas conversavam. Embora a estação estivesse cheia, como de costume, era fácil ouvir as amigas efusivas conversando. Os fones do rapaz estavam no ouvido, mas, indeciso, nenhuma música tocava ainda. Assim, durante um tempo, de forma involuntária, acompanhou o assunto das duas.
Sabia que era antiético ouvir a conversa alheia, mas se interessou pelo assunto e, por opção, não deu play na música que havia escolhido. Intrigado com as gírias que as garotas falavam, começou a tentar decifrá-las. Era muito melhor ocupar a cabeça com gírias adolescentes desconhecidas e conversas juvenis a ter que pensar nos inúmeros problemas maiores que haviam chegado com a sua vida adulta. Embora odiasse pessoas efusivas, os risos altos, típicos de garotas daquela idade, tornaram-se terapia naquele momento.
Depois de alguns minutos, além da efusividade ter diminuído a sua paciência, a consciência do rapaz pesou por estar ouvindo desabafos pessoais de duas desconhecidas. Desbloqueou o celular, deu play na música e, segundos antes de aumentar o volume, ouviu quando uma menina perguntou à outra:
_ Amiga, se você fosse uma estação, qual você seria?
Aumentou o volume e não ouviu a resposta. Embora aquela pergunta fosse totalmente banal diante dos complexos questionamentos existenciais que permeavam a mente dele e, mesmo que aquela pergunta, assim como toda a conversa ouvida, não tivesse sido direcionada a ele, começou a se questionar qual estação seria.
Pensou primeiro no inverno, por gostar de frio e achar as roupas mais bonitas. Mas também gostava das flores, poderia ser primavera. Lembrou-se que, nas férias, a sua vontade era ver o mar, talvez fosse verão. Depois levou em consideração o outono, estação em que tudo se encerra para, depois, recomeçar… Observando as pessoas ao seu redor, enquanto tentava decidir qual das quatro estações escolheria ser, um pensamento mais forte tomou conta da mente dele: “eu seria a estação do metrô”, pensou.
Olhando para o nada, pôs-se analisar a sua história e aquela estação. Concluiu que a sua vida era exatamente igual a ela: vagões iam e vinham, pessoas entravam e saiam, mas ninguém chegava para ficar. Eram todos passageiros, todas passageiras…
Enquanto analisava seus relacionamentos e a forma como começaram e acabaram, passou a fazer uma analogia entre a sua vida e aquela estação. Descobriu algo fantástico, mas que também o destruiu por dentro: ele nunca havia sido o destino final de alguém, era apenas o caminho. Como um barco que levava uma pessoa a outra margem, mas sempre retornava vazio.
Depois de um tempo, já dentro de um dos vagões, a sua analogia deu lugar a um incômodo “porquê?”. Em busca da resposta, traçando um paralelo entre as suas antigas relações, viu, por mais que não fosse consciente, um padrão nelas. Até então, todas as pessoas que entraram em sua vida tinham outra para superar. Quase todas com términos muito recentes e feridas abertas. Ele as ajudava a tentar superar, mas as via ir embora pouco tempo depois. Como pássaros de asas quebradas, as pessoas se aproximavam dele e permitiam que ele cuidasse delas, mas, depois, com as asas já curadas, elas voavam para longe. Ninguém fazia ninho. Assim como naquele vagão, em sua vida entravam apenas passageiros.
Era como se seu azar no amor fosse um amuleto da sorte para as pessoas que se aproximavam dele, pois elas sempre voltavam para seus antigos relacionamentos ou começavam outro. Mas, embora o seu coração gritasse por alguém que quisesse ficar, sabia que isso deveria ser uma necessidade do outro e não uma imposição dele. Se o amor que tinha a oferecer não fosse suficiente para outra pessoa, era melhor mesmo que ninguém ficasse… Não queria ser uma gaiola para aprisionar, mas sim uma bela copa de árvore à espera de um pássaro que fizesse ninho e escolhesse ficar.
Acreditava fielmente que cada pessoa tinha um propósito na terra e, naquele momento, havia aceitado o seu: ele era um caminho. Olhando para fora da janela do vagão, enquanto o metrô para em uma das estações, avista uma pessoa com várias malas. Mas ela não entra no vagão, como quem, com tanta bagagem, estivesse ali com a intenção de ficar. Embora essa ideia parecesse interessante aos seus olhos, sabia que aquela pessoa também partiria da plataforma. Uma estação, assim como a vida dele, não seria o destino final de alguém.
Por mais que fossem embora para a outra chegar, as quatro estações do ano sempre voltavam para continuar o fluxo da vida, dando flores, calor, perdendo as folhas para recomeçar e frio. Na estação do metrô, a maioria dos passageiros que entravam e saíam também voltavam no outro dia para utilizar os vagões e chegar aos seus destinos. A única estação em que todo adeus sempre foi definitivo, era na sua própria vida.
Pega o celular, desbloqueia e entra no aplicativo de relacionamento onde conheceu quase todas as pessoas com quem se relacionou. Muitas mensagens abertas sem uma resposta dele. Abre uma, duas, três novas notificações e stalkeia todas as redes sociais das pessoas que as enviaram. Nenhuma o interessa. Na quarta mensagem, enquanto vasculha tudo nas redes sociais da pessoa, percebe que ela havia acabado de terminar um relacionamento que durou muitos anos. Seus olhos brilham. Ele a responde.
Guilherme Givisiez