Narciso às avessas

_ Bom dia! _ Diz o porteiro sorrindo, enquanto abre o portão pela guarita.

_ Bom dia! _ Responde Narciso.

O rapaz sai do prédio e vai em direção ao ponto de ônibus para mais um dia de trabalho. No trajeto, começa a pensar sobre o porteiro que, sempre bem-humorado, distribui gentilezas a todos os moradores. Acreditando ser aquele homem, que o cumprimenta diariamente da guarita, uma pessoa feliz, deseja que a sua vida fosse igual à dele. Queria ser feliz também.

Uniformizado, com um guarda-chuvas no bolso de fora da mochila e fones no ouvido, ao chegar ao ponto que, como sempre estava cheio, pega o celular no bolso. Embora tivesse receio de ser assaltado, sempre aguardava a condução com o aparelho na mão. Não porque tivesse muitas notificações em suas redes sociais, onde praticamente não publicava conteúdo, ou porque tivesse algo urgente para fazer. Mas sim porque, de alguma forma, ele sentia que o celular era um escudo contra as pessoas que quisessem puxar qualquer tipo de assunto. Talvez o risco de um assalto o causasse menos apreensão do que a possibilidade de ter que conversar com alguém, principalmente pela manhã.

O ônibus se aproxima. Ele sobe os degraus, paga a passagem e passa pela roleta, se espremendo em meio a dezenas de passageiros. Embora nesse momento o contato físico com as pessoas fosse inevitável, tentava a todo instante não manter contato visual com elas. Uma mão no apoio do ônibus e a outra segurando o celular: álibi perfeito para evitar qualquer tipo de comunicação. Por mais que tivessem sido momentos de apreensão, sentia falta dos dias em que todos precisavam usar máscaras para sair de casa. Para ele, o distanciamento social era bom e a máscara cobria metade do seu rosto, que achava feio.

Pela tela do smartfone via, diferentemente da dele, pessoas exibindo uma vida perfeita. Todas eram bonitas demais e pareciam ter uma rotina alegre e agitada, não monótona como a dele. Queria que seus dias fossem tão interessantes quanto os delas, sem se dar conta de que as pessoas mostravam nas redes sociais apenas um pequeno recorte bonito e feliz de seus cotidianos, muitas vezes tão ou mais frustrantes do que o dele. Desejava ser feliz como elas.

Mesmo contra a sua vontade, Narciso era obrigado a levantar todos os dias pela manhã, ir para o trabalho num ônibus lotado e desempenhar, de segunda a sexta-feira, uma função que detestava, mas que pagava as suas contas. Ser ele mesmo havia se tornado um peso grande demais para se carregar, mas tinha esperanças de que ainda teria uma vida feliz. Essa esperança, além das contas que precisava pagar no início do mês, o motivava a dar o melhor de si num trabalho que odiava. Era muito inteligente, mas qualquer pessoa alfabetizada e informatizada poderia exercer a sua função e isso o frustrava. Depois de ter investido tanto tempo e dinheiro numa faculdade, sequer conseguiu uma colocação mediana na área que queria seguir.

Desmotivado, acreditava que vida nenhuma poderia ser tão ruim quanto a dele. Nem mesmo a das pessoas que ele evitava encarar, mas se acotovelavam dentro daquele ônibus lotado. Quase todas também profissionalmente frustradas, mentalmente esgotadas e desacreditadas no amor. Mas julgava que seria feliz se fosse igual a qualquer uma delas.

Sem conhecer muita gente naquela cidade grande que, com seus prédios enormes e um trânsito caótico, o havia engolido, todas as pessoas que Narciso amava estavam no interior, de onde saiu em busca de crescimento profissional. Às vezes pensava em voltar e, saudoso, desejava ser novamente quem foi naquela pequena cidade que o havia proporcionado grandes alegrias. Mas os tempos eram outros e a vida adulta havia chegado com responsabilidades que não o deixariam voltar. Além de não gostar de ter contato físico e visual com as pessoas, a timidez e o salário que mal dava para se manter, sempre o faziam responder com uma negativa aos poucos convites que recebia para sair. Também porque poucas pessoas gostavam dele, que tinha muita dificuldade em demonstrar suas emoções, odiava ambientes com som alto e levava tudo no sentido literal demais. Tinha o sonho de ajudar os pais um dia, mas, irrealizado, tentava economizar para, pelo menos, conseguir visitá-los.

Em um dos únicos momentos em que levantou a cabeça naquela viagem, viu outro ônibus, com poucos passageiros e muitos lugares vazios, parar ao lado. Lá dentro, um rapaz aparentemente bem arrumado estava assentado. Só era possível ver uma parte da camisa xadrez que ele usava, seu rosto de perfil e os dedos de uma das mãos batendo sobre o encosto da poltrona vazia à sua frente, como quem canta uma música animada mentalmente. Narciso supõe que aquele rapaz era feliz. Desejou, então, embora não soubesse nada a respeito do desconhecido, estar tão feliz quanto ele. Ou, pelo menos, ser um pouco feliz também.

Na verdade, não por inveja, mas por estar cansado de acordar todos os dias e ter que ser ele mesmo, Narciso estaria disposto a ter uma vida igual à de qualquer pessoa, exceto a própria.

Guilherme Givisiez

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