Apenas de bermuda, abriu a porta do guarda-roupa e, em meio a tantas camisas penduradas, separadas milimetricamente por cores, começou a escolher uma. Entre todas as disponíveis, pôs-se a analisar uma camisa roxa, pendurada no último cabide. Nem se lembrava dela, mas também não se desfazia. Aquela era a sua camisa reserva. Caso todas as outras estivessem sujas, ele a usaria. Entretanto, isso não acontecia há meses e a camisa continuava lá: esquecida.
Estático em frente ao guarda-roupa, começou a fazer uma analogia entre a sua vida e a sua camisa roxa. Seu amor, conscientemente unilateral, estava fazendo com ele o mesmo que ele fazia com aquela camisa: quando não tinha opções disponíveis, o escolhia; quando tinha, o esquecia.
Mas ele estava cansado de ser usado como estepe de carro que vivia furando o pneu. Cansado de servir apenas para preencher os vazios causados por aventuras juvenis. Sentia-se como a sua velha camisa roxa, a reserva, que só era usada quando todas as outras estavam sujas.
Era fácil entender o outro. Não há dúvidas de que é bom ter uma camisa reserva, dessas que não são prioridade, quase nunca são percebidas, entretanto estão sempre limpas, disponíveis para serem usadas quando todas as outras estão sujas. Acontece que camisas sujas se lavam, porém camisas reservas estão fadadas a serem eternamente reservas.
Embora às vezes se portasse como tal, sabia o seu valor. Ele não era apenas uma camisa roxa, nem estepe, nem preenchimento momentâneo. Sempre tentou passar uma imagem diferente, porém era quase sempre traído pelos drinks que acabavam com o seu valor e com o seu fígado. Eles, juntos àquele sentimento que ainda cultivava pelo outro, faziam de si uma camisa roxa. Mas naquele momento, olhando fixamente para ela, percebeu exatamente o que acontecia e o que deveria ser mudado.
Tirou a camisa roxa do cabide, colocou-a em um pequeno saco de lixo e optou por jogá-la fora. Poderia até esperar para doá-la, porém não queria chegar em casa e correr o risco de se comparar novamente. Deciciu jogar a camisa na lixeira do condomínio, pois não conseguiria tê-la ali dentro sequer um minuto a mais. Ao abrir a porta, se deparou com o corredor molhado, como se alguém enxarcado pela água da chuva tivesse acabado de passar por ali. Deixou o lixo próximo à porta de seu apartamento, acreditando que ninguém se incomodaria com aquilo em um corredor tão bagunçado.
No saco estava a sua camisa roxa e também memórias de momentos em que teve muita esperança de se tornar prioridade, mas que acabaram o frustrando por ser apenas uma opção. Implorou durante tanto tempo uma chance para fazer o outro feliz, porém nunca a recebeu. Queria, agora, alguém que visse nele mais que um estepe ou uma simples camisa roxa.
Minutos depois, decide tomar outro banho. O quinto do dia. Já arrumado, abriu a porta do apartamento para sair, entretanto o saco já não estava mais na porta. Teria alguém pegado, gostado da camisa e ficado com ela? Aquela peça que não era uma prioridade para ele há tempos, que só era utilizada quando todas as outras estavam sujas, poderia ser uma prioridade para outra pessoa? Esses pensamentos o fizeram sorrir. Além de não precisar mais colocar a mão na lixeira, que certamente estaria cheia de doenças, estava aliviado por não ver mais a camisa roxa em seu guarda-roupa e também porque, assim como ela, ele ainda poderia achar alguém que visse valor nele e o tivesse como prioridade, não uma opção.
Assim, aprendeu que para toda camisa roxa há um guarda-roupa certo, mas para alguns guarda-roupas, apenas camisas sujas.
Guilherme Givisiez