Invisível

Sabia que não deixaria uma contribuição relevante para o mundo. Não seria lembrado por nada, não seria lembrado por ninguém. Não haveria monumentos em sua homenagem; nas praças não seriam colocadas estátuas com o seu rosto; sua assinatura não nomearia uma cidade, não nomearia um bairro, nem sequer uma rua. Assim nasceu, assim morreria: invisível.

Embora a ideia de ser conhecido e lembrado por um povo pudesse parecer fascinante, durante um tempo o fato de ser especial e inesquecível para apenas uma pessoa já o seria suficiente. Até se abriu para o amor durante a juventude, porém, sem sucesso, perdeu as esperanças de encontrá-lo. Sua cara metade sempre foi um sujeito oculto em suas orações. A única coisa que o fazia levantar da cama todos os dias era o seu trabalho como porteiro. Também porque precisava do salário para sobreviver, mas principalmente porque aquela era a única parte do dia em que ele não se sentia um completo inútil.

Em um pequeno quarto na garagem do condomínio, guardava tudo o que possuía: uma pequena televisão sobre um rack marfim, seus uniformes pendurados em cabides dentro de um guarda-roupas tabaco, uma cama de solteiro em mogno, o fogão de quatro bocas e uma geladeira. Tudo ali dentro, incluindo as roupas que vestia, eram móveis e objetos que os condôminos ofereciam a ele antes de jogar fora. Para a sorte dele, aqueles eram tempos líquidos, onde as pessoas se enjoavam e desfaziam de tudo rápido demais. Nada era feito para durar.

De bom dia em bom dia até fez amizade com alguns condôminos, entretanto toda a comunicação era realizada pelo telefone, interfone ou atrás das grades da guarita, exceto quando precisava entregar as encomendas. Neste caso, as portas dos apartamentos era o limite entre a sua afeição e a sua solidão. Pouco sabia sobre a vida dos moradores e pouco sabiam sobre ele também.

Sempre simpático, utilizava a sua cordialidade com todos os que via, exceto com o seu reflexo no espelho. Sorridente, tratava com afeto as pessoas que cruzavam o seu caminho, em contrapartida era sempre cruel consigo mesmo. Sem autoestima, sentia-se incapaz de conquistar qualquer coisa além das roupas e dos móveis usados que ganhava. Assim, acostumou-se a ser apenas um porteiro, sem nome e sem história. Seus sorrisos terminavam quando, após o expediente, sua chave trancava a porta do quartinho e começavam com os primeiros raios de sol, quando a abria para iniciar mais um dia de trabalho, que exigia bom humor.

Embora não gostasse de si mesmo, nunca conseguiu ser diferente. Na verdade, já nem queria mais. Não se sentia merecedor de qualquer oportunidade que surgia em sua vida e sabotava todas as possibilidades de mudá-la. Tomou para si a verdade de que a sua existência se resumia a entregar as encomendas que recebia e a ser apenas uma voz cordial que, atrás das grades da guarita, dizia bom dia.

Perdeu, com o passar do tempo, as únicas coisas que uma pessoa não pode perder: a fé e a vontade de viver. Pois quando se perde isso, ganho nenhum faz mais sentido. Nada faz!

Poderia ficar mais 60 anos abrindo e fechando a porta de seu quartinho todos os dias, recebendo as encomendas e dando bom dia, mas já havia sucumbido há tempos. Embora estivesse vivo, havia aceitado a triste realidade deque assim nasceu, assim morreu: invisível…

Guilherme Givisiez