Nós dois e o pé de feijão

Eu queria poder, além de ouvir os desabafos a respeito dos seus problemas, resolvê-los. Acho-os grandes e pesados demais para uma pessoa com um coração tão frágil e bonito quanto o seu carregá-los. Mas, além da minha escuta e dos meus conselhos um tanto quanto desastrados, tudo o que eu te oferecesse poderia distanciar você de mim. Assim, nem a ínfima esperança de ser feliz com você um dia eu teria mais. E, por mais que seja demasiadamente triste, eu prefiro as projeções utópicas que crio sobre nós dois a não ter nada de você.

Se você conseguisse ouvir o que diz meu coração e não somente o que sai dos meus lábios, veria que as minhas palavras são apenas gotas que escapam do oceano de sentimentos que sinto por você. Como ondas fortes eles me quebram por dentro, mas deixo sair da minha boca apenas gotas para não te assustar e não te afastar. Eu prefiro o caos de ter que lidar com a revolta dos meus mares internos a te apresentar as minhas tempestades e vê-lo partir. Eu me afogaria…

De todos os sinais que aprendi, apenas um seria o suficiente para dizer que te amo, mas nem todos eles juntos seria o bastante para te mostrar o quanto. Admirando os detalhes das suas mãos enquanto te via fazer seus próprios sinais, sentia vontade de tocá-las. Mas, assim, meus sentimentos ficariam óbvios demais e isso poderia fazer um tchau ser o último sinal que você direcionaria a mim. Entre nunca tocar as suas mãos, mas ainda poder vê-las, eu prefiro admirar a evolução dos seus sinais sem o meu tato.

Escrevi muitas vezes, assim como agora, sobre você. Sempre foi mais fácil me expressar com palavras escritas, mas, em contrapartida, também sempre foi mais fácil me desfazer delas. Todas as cartas, frases e tudo o que traduzi em palavras a seu respeito, se tornaram papeis amassados que foram para o lixo. Mas entre te ver ir embora por se sentir invadido pelas minhas palavras ou perdê-las, eu prefiro amassar os meus rascunhos e deixá-las no esquecimento.

Depois de um tempo, percebi que as dúvidas e o medo me impossibilitariam de demonstrar qualquer tipo de sentimento que eu pudesse nutrir por você. Não apenas o medo de ouvir um não, mas, principalmente, o receio de me tornar uma pessoa invasiva a seus olhos. Eu tenho qualidades demais para deixar você carregar apenas isso a meu respeito. Comecei, então, a colocar pontos finais em tudo o que nascia em mim e era oriundo de você. Todas as borboletas que moravam no meu estômago e voavam quando te via, tornaram-se pontos. A cada plano que eu criava e te incluía, um ponto nascia. A cada vontade de enviar uma mensagem, dizendo que uma música ou algo ainda mais trivial me havia lembrado você, eu via outro ponto crescer. A cada sorriso bobo que me escapulia, com um ponto final eu o prendia. Assim, de tantos pontos que precisei colocar nos sentimentos que tinha por você, vi um texto em braile na minha pele aparecer. Tudo o que eu sentia e tentava esconder estava lá, escancarado. Queria que você me lesse em braile, mas fui covarde comigo mesmo e nem sequer te mostrei os meus pontos.

Por falta de coragem, por respeitar as suas verdades ou por não me sentir digno do amor que talvez você pudesse vir a ter por mim, sabotei quase todas as formas de demonstrar os meus sentimentos. Mas uma delas, por mais que eu tentasse esconder, por mais que o medo não me deixasse dizer, por mais que eu fingisse não ter nada a ver, sempre disse tudo. E, por mais que as minhas palavras não digam, que os meus sinais mintam e os meus textos a seu respeito não mais existam, o meu olhar sempre brilhou quando te vi e, no brilho dele, sempre esteve explícito tudo o que eu tentei esconder. Mas mesmo assim, ainda hoje, você insiste em não saber.

Se eu pudesse, compraria pés de feijão, te levaria para as nuvens e te contaria tudo. Te chamaria para construir um castelo e te convidaria para ser feliz comigo lá. Longe dos gigantes que existem aqui embaixo e podem nos afastar. Eu desarrumaria a gola da minha camisa todos os dias só para te ver a alinhar. Mas do que me resta, além da culpa gigante por não ter tido ousadia para me declarar a você, uma coisa consola o meu ser: meus sentimentos sempre estiveram explícitos no meu olhar, por mais que eu tentasse esconder.

Você que nunca conseguiu ver…

Guilherme Givisiez

Ciranda morta

O amor estava ali, ancorado. O mar estava calmo, o céu era azul. Naquela embarcação deserta, seu capitão, sério e forte, dançava sozinho. Eu, em meu barco a velas, o observava. Como quem convida alguém para uma dança, o capitão solitário pegou minhas mãos e me apresentou sua embarcação. Ele colocou em mim um de seus chapéus e me deixou guiar o seu timão desbotado, mas esqueceu-se de me avisar que a âncora não nos deixaria partir.

Eu já havia procurado o amor em Ruas, em Dias, em Matos, mas não havia o encontrado. Eu sabia que o amor estava no ar, mas, em terra firme, minhas raízes estavam fundas demais para eu poder alcançá-lo. Então naveguei.

Antes de me aventurar, pedi a benção dos Santos, mas, por querer saber demais sobre a história deles, acabei sendo amaldiçoado. Se soubessem o que passo com os ímpios, talvez entendessem quando eu disse que a felicidade individual não depende do coletivo.

O capitão me desafiou:

_ Você não parece saber dançar…

Pedi sua mão, mas ele conduziu. Seus passos eram lentos demais para a minha vontade de impressioná-lo. Dançávamos em ritmos diferentes. Pisei sobre o seu pé uma, duas, várias vezes. Não dei conta de que para dançar não precisa de movimentos acelerados, precisa-se de sincronia. Passos iguais.

Ao anoitecer, sentindo o bater ritmado de seu coração, eu disse a ele:

_ Capitão, é triste viajar sozinho. Deixe-me ir com você?

Então ele me explicou que a solidão era uma opção. Que sua embarcação permanecia sempre ancorada, pois sua filosofia era enfrentar as tempestades sozinho e sua âncora era tudo o que ele tinha.

Ele não me enganou. Eu é que fui precipitado demais. Deveria ter ancorado minha pequena embarcação, mas não o fiz. Meu barco se foi e eu não tinha mais nada. Entreguei ao capitão o seu chapéu cor de esperança e vi que era hora de deixar o barco.

Ó Carcará, leva-me um dia à África para que eu o veja dançar novamente. A fase da gloriosa metrópole  se foi, mas um dia, quando todos conhecerem seu nome, eu o acharei. Não para fazer parte de sua tripulação, mas para dizer a ele que eu estava certo e que a felicidade dele seria questão de tempo. E a minha tristeza gerada pelo mesmo motivo. O tempo machuca, mas ele mesmo cura. 

Adeus, capitão de terra firme. Foi uma boa aventura. Mas a tempestade interior tende a piorar e a única âncora que eu tinha, deixei fixada no seu lado esquerdo. Vou atrás de terra firme para o meu coração, pois o enchi tanto de esperanças, que ele acabou se afogando…

Espero que o céu se abra para você e que o sol apareça. Que um dia você encontre alguém que seja forte suficiente para subir a sua âncora e abrir as velas que você tem, mas ainda não descobriu.

Guilherme Givisiez

Carta a uma ex-paixão

12 de setembro de 2011

Algum lugar, através do Universo

De: Guilherme Givisiez                

Para: Uma Ex-Paixão                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               

Prezada ex-paixão,

Acho que estou partindo na hora certa. É hora de me arriscar, sair desse Planeta que se tornou cômodo demais para mim e ir amar a única pessoa capaz de me fazer feliz: eu mesmo. Eu me ceguei, não por amor, mas por necessidade. Mas agora abri meus olhos e meu coração e te tirei dele.

Bom, se para onde eu for, me lembrar de alguma coisa boa que vivemos, o que acho difícil, pois não vivemos quase nada, te mando um telegrama. Não sei para onde vou, gosto dos planetas frios, mas os bem iluminados também me atraem. Lembre-se, não espere mais nenhuma carta, nenhum telegrama, não espere nenhum sinal de vida, posso não chegar. Acho que estou me preocupando demais com você de novo… Então esqueça o telegrama. Para mim você foi tudo… Tudo o que qualquer pessoa pode ser. A diferença é que você dizia sentir o mesmo, sem sentir. Mas pra quê estou falando tanto sobre isso?

Essa não é uma carta de despedida, não que eu vá voltar, mas nunca nos unimos a ponto de merecermos cartas de despedidas. Quero te dizer que não restou nada de você, apenas as músicas que você me ensinou a gostar, que martelam a minha cabeça; e as manias que eu peguei com você e não consigo mais deixar. Ah sim, sobraram também as suas promessas. As minhas não, eu sempre fui disposto a realizá-las, você que nunca as quis receber. Mas as suas não, eu sempre as quis realizadas, mas você sempre se negou. E olha aí, elas estão pairando no ar, procurando a gravidade que eu deixei pra trás…

A viagem através do universo vai ser longa. Se houverem telegramas no Planeta que eu parar eu te mando essa carta junto a um. Se não houver, você nunca vai saber que eu deixei de te amar. Vai sempre se lembrar de mim como “o menino bobo de textos bonitos”. Eu só queria te dizer que eu não era só isso, fui muito mais, você é que não foi suficiente para receber o que eu poderia te dar. Na verdade foi você quem perdeu, eu estou indo para um Planeta me amar, você vai ficar aí, amando quem não te ama e enchendo o seu ego com pessoas descartáveis. Como eu fui bobo, (risos). Engraçado e trágico…

Se algum dia você for viajar através do universo, me procure. Podemos tomar um café, um suco, um chá, você escolhe. Podemos rir do que quase aconteceu e rirmos de mim mesmo: o “bobinho” dos textos bonitos. Vi que você fazia dos nossos encontros espetáculos, do meu coração picadeiro, fez seus shows e me deixou com a maquiagem de palhaço borrada e sem sorrisos. Mas isso não importa mais, eu não te amo. A tinta da minha caneta está acabando e por aqui não tem uma loja de canetas, mas se no meu novo Planeta tiverem telegramas e meios para enviá-los, eu mando essa carta e um telegrama. Apenas isso. Mas se não tiver, você pode continuar se lembrando de mim como o bobo dos textos bonitos. Eu não posso fazer nada. Foi isso que eu deixei parecer antes de sair.

Enfim, essa carta não é uma despedida nem um sinal de vida. Eu a escrevi para te dizer qu

Flores amarelas

Mesmo sem todos os dentes de leite terem nascido, o menino já vivia a sua primeira aventura: passear de carro com sua família. Para muitas crianças isso não significa nada, mas, para aquele menino, era algo mágico. Na verdade, aquele não era um passeio e sua família não estaria completa dentro da cabine. Sua mãe estava muito doente no hospital, mas ele não entendia o que aquilo significava. Para ele, era apenas um passeio que resultaria num encontro com a mãe que há semanas estava longe de casa.

Por causa da doença dela, seu pai, que o visitava duas vezes ao ano,  passou a vê-lo mais vezes. Não por amor, o pai sabia que aquilo era uma obrigação. Mas, para o menino, a única coisa que importava era que sua mãe estava distante, mas isso fez com que o pai se aproximasse.

_ Vamos! _ Disse o pai já ligando aquela gigante camionete que mal cabiam três pessoas.

Lá se foi o menino, com o cabelo molhado, penteado de lado, vestindo a sua melhor roupa: uma bermuda jeans, ganhada do vizinho dois anos mais velho; uma camisa branca, feita por sua mãe antes da crise que resultou na sua internação; e um chinelo pequeno para seus pés, que deixavam os seus dedos para fora. De mãos dadas com a irmã, entrou, impressionado, na camionete.

No caminho, nenhuma palavra. Mas o menino, que mal tinha aprendido a falar, só queria sentir a sensação de andar no carro de seu pai. E sentiu. No meio do caminho, as flores amarelas da cerca viva, como ouro aos olhos de um garimpeiro, brilhavam. As flores hipnotizaram o pequeno menino que as olhava pela janela da camionete branca e lembrava-se de sua mãe. Disse:

_ Eu quero uma flor dessas.

Seu pai, sem desviar a atenção da rodovia, respondeu:

_ Flor é coisa de mulherzinha. Você é homem, não vai pegar flor.

O menino, como qualquer criança da sua idade, chorou. Ouvindo o pai o ameaçando, dizendo que, caso ele não se calasse, apanharia, o menino continuou. Só se calou quando o pai parou o carro no acostamento e mandou a filha, que estava na poltrona do meio, descer e pegar flores amarelas. O menino sorriu.

Com o rosto quase seco das lágrimas de pirraça, viu a irmã voltando com a mão repleta de flores amarelas. Ouro. Seu sorriso foi ofuscado pela voz do pai que deu uma nova ordem à filha:

_ Não entregue a ele. Nenhuma. Jogue-as no capô do carro e se quando chegarmos ao hospital tiver sobrado alguma, ele pega.

A menina olhou para o irmão durante um tempo, abaixou a cabeça e, sem questionar a ordem do pai, fez exatamente como ele havia mandado. Depois, ela entrou no carro, fechou a porta e partiram. O menino, que da janela pela primeira vez olhava a cidade que havia nascido e vivido, agora olhava para frente. A viagem, que ele queria que fosse eterna, se tornou um martírio. Não chorou mais, mas desejava chegar rápido para que ao menos uma flor restasse e ele a pudesse entregar à mãe doente.

A cada flor que partia, um pedaço dele também se ia. A chegada poderia ser diferente, mas chegou ao hospital uma camionete totalmente branca, sem nenhum pontinho amarelo.

Na porta do hospital, mesmo sem flores nas mãos, o menino queria visitar a mãe. Porém, descobriram que ele era pequeno demais para subir e visitá-la na internação. O pai revezou a visita com a irmã e o menino ficou pensando na flor amarela que queria entregar à mãe doente. No momento não culpou o pai, pois, mesmo que ele o deixasse pegar as flores, a mãe não as receberia. Mas nunca se esqueceu.

A única lembrança feliz que tem daquele dia está congelada em sua memória: da janela do quinto andar do hospital, a cabeça da mãe apareceu no basculante e ele pode a ver, com uma máscara para inalação que não ocultava totalmente o seu rosto, e a mão direita a te dar tchau.

Os sonhos, as alegrias, os amores… há anos guarda tudo no capô e, quando mais precisa, tudo voa. Como as flores amarelas de 1995.

Guilherme Givisiez